A Cabra-Cabriola é uma assombração portuguesa que imigrou para o Nordeste brasileiro com seu reinado de pavores. Personificando o medo e atormentando o ciclo da angústia infantil, acabou mascarando seu instinto visceral com as inocentes cantigas das quais ressurge. Ao lado de Cuca, Chibamba, Tutu, e alguns outros, compõe nossa galeria de seres mágicos como um dos papões do nosso folclore.
Trata-se de um monstro com a forma de uma cabra horrenda e humanoide, com uma grande carranca que expele fogo e fuligem pelas narinas e pelos olhos, exibindo chamas dançantes em sua bocarra cheia de dentes afiados. Seus movimentos grotescos insinuam-se à batida dos cascos como um cabriolar intimidador, ao passo que projeta imensas garras que armam seus braços esguios.
Manifesta-se quando o dia começa a escurecer, empenhada a devorar criancinhas que estão sozinhas, em especial as travessas. Adentra sorrateiramente nas casas, seja pela janela ou pela porta, utilizando de diversas artimanhas para ludibriar suas presas, alterando até mesmo sua voz, como em um dos mais difundidos contos populares acerca de sua lenda.
Dizem que, certa vez, uma mulher precisava sair à noite para trabalhar e, já ciente da sagacidade de Cabra-Cabriola, orientou cuidadosamente seus três filhos a não abrirem a porta para ninguém, apenas se reconhecessem sua afetuosa voz. Não demorou muito para a fera de ventas flamejantes aparecer, ávida por um belo banquete. Pedia como se fosse a própria mãe das crianças para abrirem a porta, mas sua voz horrível e gutural não dava espaços para qualquer enganação. As crianças sabiam que não era sua mãe. Assim, após tentar incessantemente, a Cabra-Cabriola desistiu e saiu bradando que ainda iria devorá-las.
Porém, no mesmo instante, persistente, ela mudou de ideia e decidiu retornar. Havia pensado numa solução. Aguardou a volta da mãe, ficando à espreita para ouvir com atenção o timbre materno. Depois foi até um ferreiro, ordenando que marretasse sua repugnante língua sobre uma bigorna. Pois assim conseguiria afiná-la e imitar perfeitamente a voz de tal mulher.
No dia seguinte, quando o sol se foi, por um instante o astuto monstro deixou de lado seus trejeitos violentos e bateu novamente à casa, cantarolando e emulando todo o aspecto doce e acolhedor daquela mãe. Os irmãos não tiveram dúvida e prontamente abriram a porta para recebê-la. Péssima decisão. Foram enganados e ferozmente devorados pela Cabra-Cabriola.
Até hoje existem relatos até mesmo de pesadelos terríveis com a Cabra-Cabriola, que mais parecem realidade ou um aviso nefasto. Despertando a choradeira dos pequenos. Caso aconteça, é melhor rezar, e não deixar as crianças sozinhas, pois ela pode estar pelas redondezas.
Caio Sales é ilustrador e escritor, autor da série O Imaginário do Mundo. Pós-Graduado em Marketing pela PUC-Campinas, também é criador do blog My Creature Now, sobre criaturas mitológicas e lendas urbanas. @caiosales_art | Acesse: www.mycreaturenow.com