Os povos de língua inglesa não estão entre os principais grupos imigrantes no vasto território brasileiro, mas também deixaram a sua marca. A influência britânica começou a crescer no Brasil entre 1835 e 1912. O Reino Unido, uma potência industrial do século XIX, tinha um interesse particular em nosso país, recentemente desenhado no mapa mundial e repleto de recursos naturais. Essa influência manifestou-se de várias maneiras, como na implementação de infraestruturas, tais como ferrovias e indústrias.
Assim, com forte influência inglesa, a misteriosa Vila de Paranapiacaba, em Santo André, é palco de uma lenda intrigante. Repercutindo a história de um espectro de capa e chapéu pretos, que vagueia durante as horas mortas.
Por lá, conta-se que em uma noite inóspita de 1932, o frio cortante soprava persistentemente quando um foguista britânico chamado John Butler se levantou ao toque do “Big Ben”, o relógio da estação, andando pela névoa que cobria seu caminho usual até as caldeiras, enquanto a extinta São Paulo Railway ecoava sua melodia metálica pela madrugada. Foi então que algo assustador surgiu, dissipando por um instante o manto cinza e fantasmagórico que dominava o ar e a rua deserta. Apavorado pelo evento, Butler se deparou com um espectro, um ser sobrenatural de capa preta e chapéu de abas longas, o qual lhe despertou um terror nunca antes sentido em suas jornadas à meia-noite.
Quase num piscar de olhos, a névoa voraz voltou a consumir sua visão e a figura sinistra desapareceu. Dominado pelo medo, Butler recuou e tentou apressar seus passos para escapar. No entanto, a silhueta alta e ameaçadora ressurgiu, ainda mais agressiva. Avançava em sua direção com a determinação de um trem desgovernado, ao som do arrastar de uma perna manca, ressoando de forma perturbadora no vazio gelado. O operário, aterrorizado, conseguiu fugir para a segurança de seu posto de trabalho, chegando ofegante.
Seus companheiros, ao verem sua palidez, acolheram sua história com uma mistura de temor e reconhecimento, pois também já haviam avistado a figura assustadora rondando as ruas, principalmente perto do hospital. Era ele, o Homem-Capa, um espírito condenado a errar eternamente com seu traje lúgubre, assombrando a vila ferroviária de Santo André.
Existe uma conjectura sombria entre os habitantes de Paranapiacaba, que entrelaça o passado sangrento de Londres com os mistérios ocultos da vila. Dizem que Jack, o Estripador (estripador: que mata as vítimas com arma branca e requintes de crueldade), o famoso assassino em série de Londres em 1888, teria desembarcado em Santos e encontrado em Paranapiacaba um refúgio, um resquício de sua terra natal, para escapar da polícia da Scotland Yard, que nunca conseguiu identificar o cruel matador. Uma teoria sugere que ele se disfarçou como um trabalhador comum da ferrovia, mantendo-se anônimo, enquanto a outra versão propõe que, ironicamente, ele era um médico, vivendo numa residência que agora é uma pousada, no Caminho do Hospital Velho, conhecida como “casa do Jack”. Alguns moradores acreditam até mesmo que seus restos mortais estão enterrados no cemitério da vila, localizado na Parte Alta.
Trago essa informação, pois as semelhanças na vestimenta desta visagem de chapéu e capa com Jack, o Estripador, são notáveis. Ao conversar com Jairo Costa, estudioso do folclore e autor do livro “Paranapiacaba Lendas & Mitos” (2023), confirmei a especulação de que poderíamos inferir, com alguma cautela, que o Homem-Capa poderia ser o espírito do serial killer britânico na crença popular, embora não seja algo determinado em suas pesquisas.
Assim, o que permeia esta vila inglesa no Brasil é o medo. Um medo que rasteja sob a pele, arrepia a espinha e dilata as pupilas. O Homem-Capa, seja ele a alma decadente de Jack, o Estripador, ou apenas uma sombra incerta na névoa de Paranapiacaba, deixa uma marca obscura no imaginário de cada habitante, com as trevas que dele emanam ao ecoar de suas rondas horripilantes.
Caio Sales é ilustrador e escritor. Pós-Graduado em Marketing e Inovação pela PUC-Campinas; Pós-Graduado em Sociologia, História e Filosofia pela PUC-RS; com qualificação em Marketing e Comunicação pela Academies Australasia, em Sydney, Austrália. Também é membro da Associação Brasileira dos Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror (ABERST) e da Associação de Escritores de Bragança Paulista (ASES). @caiosales_art