Permeando e atemorizando nosso imaginário popular, grande parte dos brasileiros já ouviram suas versões da famosa cantiga “Nana nenê/ Que a Cuca vem pegar/ Papai foi pra roça/ Mamãe foi trabalhar”. Utilizada pelos pais para apavorar seus filhos insones e desobedientes, a horrenda Cuca tornou-se uma das criaturas mais populares e temidas do folclore nacional, uma espécie de papão feminino; ganhando notoriedade também pela obra de Monteiro Lobato, sendo uma das grandes antagonistas do Sítio do Picapau Amarelo.
Originário de tradições folclóricas portuguesas e espanholas, o mito da Cuca chegou ao Brasil no período da colonização e foi bastante modificado com o tempo. Portanto, primeiro é necessário falar um pouco sobre as versões ibéricas da Cuca – onde é conhecida como Coca, ou Coco – para compreendermos de que maneira foi concebida aquela que é chamada pela jornalista Januária Alves, em seu amplo livro Abecedário de Personagens do Folclore Brasileiro (2017) de “a bruxa mais brasileira que existe”.
Em Portugal, a Coca também assombra e carrega as crianças, mas sob a forma de um monstruoso dragão. Nas terras portuguesas de Monsão, na antiga província do Minho, existe a Santa Coca, que, como uma oferta simbólica, enfrenta São Jorge nas festas de Corpus Christi. Já na Espanha esse dragão ganha uma cauda de serpente, patas de grilo, e um grande par de asas. Figura também presente nas procissões espanholas de Corpus Christi, especialmente na Galícia, onde exibe-se a criatura feita de papelão.
Nessas regiões, as palavras coco e coca tem relação com cabeça ou crânio, que transmitem uma ideia de caveira, trazendo simbolicamente uma concepção de morte; um símbolo ou personificação do mal, que manifesta-se na forma do Coco, outra assombração, uma criatura informe – obscuro ente do medo, devorador, variação que também é chamada de El Coco e difundida em diversos países hispânicos. O folclorista Luís da Câmara Cascudo, em seu livro Geografia dos Mitos Brasileiros (1947) evidencia que Coco, Coca, e Cuca são uma e a mesma entidade de pesadelos e assombros seculares; porém, apresentadas sob formas distintas em suas variações ocasionadas como mitos de convergência verbal. Tal fato será melhor discorrido a seguir.
Chegando no Brasil, o temido dragão Coca tornou-se Cuca, e deu lugar a uma velha bruxa de cabelos brancos, horrenda, e toda desgrenhada, com uma certa influência das culturas indígena e africana. No idioma mbunda, falado em Angola e Zâmbia, a palavra cuca significa avô ou avó, influenciando nos aspectos físicos que invocam a velhice da Cuca brasileira. Enquanto no tupi-guarani a palavra cuca significa “o que se engole de uma vez”, complementando a lenda brasileira com a ideia de voracidade da criatura, que alimenta-se da meninada inquieta e malcriada.
Juntamente acompanhada por elementos das histórias clássicas de bruxas, a exemplo do caldeirão, que é dotado de simbolismos na bruxaria, outros atribuem a ela poderosas garras e características reptilianas, provavelmente herdadas da lenda europeia, mas com traços de jacaré, não de dragão – um toque brasileiro. Pode-se dizer que essa versão é a mais popular, pois foi a figura criada e difundida na década de 1970 pela obra televisiva do Sítio do Picapau Amarelo.
Dizem que a Cuca dorme apenas uma vez a cada sete anos. Por isso, ao anoitecer, deve-se atentar. Atraída pela desobediência de uma criança, ela caminhará de forma soturna em cima dos telhados de sua casa, vigiando atentamente cada malcriação. Passará por sua janela, como um vulto, por um instante de quietação, até conseguir entrar pelos vãos das portas ou pelos buracos das fechaduras, surgindo subitamente no quarto, sem tardar a captura. Cuidado com a Cuca.
Caio Sales é ilustrador e escritor, autor da série O Imaginário do Mundo e criador do blog My Creature Now, sobre criaturas mitológicas e lendas urbanas. @caiosales_art | Acesse: www.mycreaturenow.com