O mito dos gigantes é abundante em todo o planeta, contado por vários povos de muitas culturas diferentes. Não há como determinar qual foi sua exata origem ou quando a primeira lenda foi concebida, pois os gigantes manifestam-se desde as narrativas orais, que antecedem o que entendemos como escrita sistematizada, carecendo de datas e registros mais precisos. Eles basicamente permeiam nosso imaginário desde que o mundo é mundo.
Na Mitologia Grega, os gigantes protagonizaram o evento da Gigantomaquia, tentando invadir o Monte Olimpo e sendo confrontados pelos deuses e por Héracles. Já viajando pelas geladas paragens nórdicas, compreendemos que de partes da carcaça do gigante Ymir os deuses formaram Midgard, lar dos povos vikings. Enquanto no México, os astecas acreditavam que suas terras haviam sido povoadas por homens e mulheres gigantes, conhecidos como Quinametzin. Nos textos bíblicos também temos muitos exemplos de gigantes que vão além do clássico Golias, dentre eles, os poderosos e polêmicos Nefilins.
Alguns acreditam que os gigantes podem ser uma grande – desculpem o trocadilho – alegoria ou figura de linguagem idealizada para elucidar questões como as forças da natureza, os feitos ou o forte poder político de figuras importantes, ou o sentimento de medo e opressão, findando tal arquétipo. Outros creem ser uma fundamentação que os povos antigos encontraram para explicar os ossos pré-históricos, principalmente de mamíferos da megafauna, encontrados naquela época; ou até mesmo uma interpretação que cada frequência cultural poderia dar a doenças como o gigantismo, onde as pessoas podem de fato atingir até 2,7 metros de altura.
Falando agora do Brasil, independente de seguir tal linha de pensamento mais cética ou não, o fato é que diante de tantas histórias e possibilidades, o mito dos gigantes já estava imbuído nos primeiros exploradores que pisaram aqui, alimentado por mais um fator: o olhar externo. Desbravar novos continentes também consistia no contato com novas culturas e etnias. Se mesmo nos tempos atuais, com a globalização, os choques culturais ainda existem, no passado isso era ainda mais intenso, gerando relatos fantásticos sobre as novas descobertas – com uma inegável vontade de satisfazer a avidez e forçar uma relevância heroica das expedições.
Embora em nossas terras os povos originários também falem sobre gigantes nas suas tradições orais, a exemplo de Towira Towira, líder do mundo subaquático dos mortos da Mitologia Wari, dos habitantes de Rondônia; foi pela visão eurocêntrica dos cronistas que os lendários Curinqueãs, também grafados como Curinqueans ou Curiguerês, foram uma das primeiras raças de gigantes brasileiros a serem registradas no período colonial.
Essa tribo de gigantes da Amazônia foi relatada primeiro nas viagens do explorador português Pedro Teixeira, por volta de 1639, detalhadas pelo jesuíta espanhol Cristóbal de Acuña, onde os Curinqueãs teriam sido reportados pelos indígenas da região do rio Purus, que tem sua nascente na altitude andina do Peru, passando majoritariamente por Acre e Amazonas. Bastante valentes, mediam cerca de 3,6 metros de altura. Caminhavam desnudos e exibiam vistosos adornos de ouro nas orelhas e no nariz – em outras descrições também surgiam com peças de ouro no beiço.
Posteriormente esses gigantes foram documentados pelo padre português Simão de Vasconcelos, em meados de 1663. Dentre as nações míticas por ele citadas, os Curinqueãs foram referidos como os mais respeitados. Eram colossos humanos que espreitavam de forma imponente, com seus acessórios dourados e todo o vigor físico, em suas aldeias nas proximidades do rio Amazonas.
Prováveis frutos de uma representação enviesada, os Curinqueãs seguiram propagados pelas histórias contadas por outras pessoas através dos tempos, de viajantes naturalistas a etnógrafos. Fixados na multiformidade do fabulário amazônico, e integrados entre nossos gigantes míticos, ainda que não se sobressaiam como antes. Existem muitos mistérios a serem desvendados.
Caio Sales é ilustrador e escritor, autor da série O Imaginário do Mundo. Pós-Graduado em Marketing pela PUC-Campinas, também é criador do blog My Creature Now, sobre criaturas mitológicas e lendas urbanas. @caiosales_art | Acesse: www.mycreaturenow.com