O aumento de casos de violência contra a mulher em todo o país durante a pandemia é alarmante. Essa constante variável fez com que o governador João Doria, mesmo vetando em sua totalidade o Projeto de Lei 91/2017 que propunha a abertura das Delegacias de Defesa da Mulher – DDM, com funcionamento ininterrupto, inclusive aos sábados, domingos e feriados, criasse 10 repartições de DDM 24 horas em algumas cidades do estado. Segundo o próprio governador em seus discursos, as DDMs são indispensáveis para o atendimento de ocorrências de violência contra a mulher, por ter um trato especializado e todo um suporte para a vítima e seus familiares. Porém, Bragança segue na contramão de direção, apenas uma ocorrência de violência doméstica em estado flagrancial, ocorrida durante o horário de expediente da especializada, foi registrada neste ano na DDM. Os demais flagrantes foram registrados no Plantão Central.
A reportagem da GB apurou junto à secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, que a DDM de Bragança teve uma queda abrupta em números de flagrantes registrados nos últimos três anos. Em 2017, foram registrados 41 flagrantes pela especializada, enquanto em 2018 esse número teve queda de mais de 90%, caindo para dois flagrantes lavrados. Na mesma toada segue o ano de 2019, que teve quatro flagrantes registrados e 2020, que até o fechamento desta edição teve apenas um flagrante de ato infracional equivalente a violência doméstica. A mesma fonte indica que todos os distritos policiais estão aptos a registrar, dentro do Protocolo Único de Atendimento, qual estabelece padrão de acolhimento para casos de violência doméstica. A delegacia eletrônica também ampliou o rol de ocorrências desde o início da pandemia, incluindo as denúncias por violência doméstica.
Consultado pela reportagem, o Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior 2 – DEINTER 2 – disse que os casos de flagrantes em horário de expediente devem ser registrados pela DDM. “Em Campinas todos os atendimentos e flagrantes são lavrados pelas DDMs 1 e 2, sendo que no período noturno o atendimento é feito pelo Plantão da DDM 24 horas da 2ª DDM. Nos demais municípios que possuem DDMs, os atendimentos de violência doméstica devem ser feitos pela Especializada, com lavratura de flagrantes e pedidos de medidas protetivas, exceto nos períodos noturnos, finais de semana e feriados, onde os atendimentos e flagrantes são atendidos e lavrados pelos Plantões Policiais Permanentes”, esclareceu o diretor do DEINTER 2, Dr. José Henrique Ventura.
Atualmente o DEINTER 2 é composto por cinco Delegacias Seccionais (Campinas 1, Campinas 2, Jundiaí, Bragança Paulista e Mogi-Guaçu), sendo que em toda a região temos 13 Delegacias de Defesa da Mulher, nos municípios de: Campinas com duas delegacias sendo uma 24 horas, Indaiatuba, Valinhos, Vinhedo, Bragança Paulista, Serra Negra, Mogi-Mirim, Mogi-Guaçu, Itapira, Jundiaí, Várzea Paulista e Itatiba.
O Delegado Seccional de Bragança, Dr. Carlos Eduardo Silveira Martins, atribuiu a falta de funcionários na DDM para o não registro das ocorrências em estado de flagrante. “O trabalho da DDM também é um trabalho especializado, como tem muito pedido de medida protetiva e uma diminuição natural com a aposentadoria de funcionários da Delegacia da Mulher, a partir desse ano (2018) nós passamos os flagrantes para que fossem feitos no plantão 24 horas”, explicou. Segundo o próprio delegado Seccional, atualmente a DDM tem durante seu expediente, das 9h às 18h, dois escrivães e dois investigadores, o que forma ao menos uma equipe que suportaria a demanda de atender os flagrantes que ocorrem neste período. “Não é que ela [DDM] deixou de atender, ela tem tomado todas as medidas. Mesmo o flagrante sendo feito no plantão, ele é encaminhado [à DDM] onde ela conclui, relata, encaminha e pede todas as medidas protetivas e está trabalhando com dois escrivães”.
O Delegado disse ainda que a equipe do Plantão Central está ajudando a produção da DDM mesmo diante de uma recomendação do governador para que as especializadas, com um trato específico para vítimas e seus familiares, atendam esse tipo de ocorrência. “Existe a determinação de se fazer tudo na DDM, mas a gente não tem esse recurso. Quando eu receber mais escrivães, nós imediatamente voltamos os flagrantes a serem registrados na Delegacia da Mulher”. O Seccional ainda relatou à reportagem que o plantão tem toda a estrutura para atender os casos de violência doméstica. “Nós criamos no plantão uma estrutura para atender o caso das mulheres, que têm uma sala separada com uma sala de videoconferência, e temos uma delegada no plantão” explicou. Porém, a reportagem da GB, acompanhou alguns casos de violência doméstica no Plantão Central e constatou que as vítimas ficam sentadas na sala de espera junto dos mais variados casos criminais. Inclusive, recentemente, acompanhou um caso onde uma mulher vítima de violência sexual, agressões e ameaças, chegou ao Plantão, foi encaminhada para a DDM e novamente encaminhada ao Plantão para a lavratura do flagrante. A reportagem se manteve no plantão até a conclusão do caso e notou que a vítima ficou sentada na espera até ser chamada para ser ouvida, fato que destoa do relatado pelo Seccional. “Se eu tenho um plantão com cinco equipes e eles não puderam ajudar uma unidade fazendo flagrantes. (…) Agora não é que a DDM não faz, quando precisar ela vai fazer”, explicou o delegado.
Até o mês de março, a DDM tem 195 inquéritos instaurados, com seis prisões efetuadas, sendo apenas uma em flagrante e cinco por cumprimento de mandados, outro motivo apontado pelo Delegado Seccional para a mudança. “Eu tomei essa medida a pedido da delegada anterior e achei justo, porque o trabalho deles não para. Números de TCs (Termo Circunstanciado), número de cumprimentos, pedidos de medidas protetivas, inquéritos relatados e nós perdemos dois escrivães e ficaram só dois e é um número muito grande de inquéritos” esclareceu.
Aumento de casos – Em estudo realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apenas no Estado de São Paulo, o número de feminicídios aumentou 49,2%. Apenas no mês de março deste ano foram registradas 19 mortes de mulheres, contra 13 no mesmo período do ano passado. Além das mortes o número de ocorrências atendidas pela Polícia Militar, através do 190 saltou de 6.775 para 9.817, um aumento de 44,9% tendo o mesmo período como base. Em Bragança apenas nesse ano já foram registradas cerca de 200 ocorrências deste tipo de crime em cinco meses do ano. No ano passado, durante todo o período foram registrados cerca de 360 casos.
Especialização na DDM – A reportagem apurou que o atendimento à mulher vítima de violência em todas as Especializadas é feito de maneira uniforme, de maneira individualizada e preservando não só a situação da vítima como também de filhos menores que normalmente acompanham as mães. Dentro do possível dá-se preferência a policial mulher para o atendimento, tendo todos os integrantes das Unidades Especializadas se submetido a treinamentos e reciclagens visando padronizar os atendimentos.