Um fragmento da Mata Atlântica, um dos biomas em risco, está em nossa cidade. É a Serra do Japi, decantada e usurpada como atrativo para um adensamento perigoso. Entretanto, ela é um tesouro a ser preservado para as futuras gerações. Isto não é retórica: é um dever constitucional, previsto no artigo 225 do pacto federativo. O constituinte brasileiro produziu a mais bela norma constitucional do século 20, ao erigir o nascituro, aquele que ainda é um projeto, em titular de direitos. No caso, o direito de contar com um ambiente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida.
Bem se sabe que a Constituição cuida de tudo e que algumas partes dela, além de ignoradas pela maioria da população, desmerecem o devido empenho por parte da Administração Pública. Uma das tragédias brasileiras é exatamente essa: o fato de o titular de cargo público eletivo esquecer-se de seu compromisso e de sua condição de “servidor” da população e alçar-se à postura de alguém que persegue seus próprios interesses.
Quais esses interesses? O primeiro, por mais comum na vida brasileira, é o enriquecimento. Pessoas desprovidas de herança ou de patrimônio, passam pela administração pública e – de repente, não mais do que de repente – são milionárias.
O segundo interesse é o do poder. Quem “tem a caneta” possui também a discricionariedade de nomear. De selecionar. De proteger. De estabelecer favoritismos. O poder embriaga, inebria, anestesia.
O terceiro interesse é a fama ou celebridade. Quem não pode viver sem o aplauso e o reconhecimento dos semelhantes, encontra na política um campo fértil para cultivar a plantação de bajuladores. Estes cercam o cargo, a função, não estão ligando para a pessoa. Mas o bajulado pensa que é para ele que se faz toda essa pantomima. Lembra a fábula do burro carregando relíquias. Todo paramentado para a procissão, pensa que as reverências são para ele. Quando volta ao estábulo, é espancado por seu maldoso cuidador.
Quem se esquece disso experimentará o ostracismo e não se acostumará com ele. Por isso é que o melhor é ter noção da transitoriedade de tudo. Mas da permanência de valores incalculáveis, como o da cobertura vegetal de uma cidade. Um solo abençoado, com um resíduo da exuberante Mata Atlântica, hoje inferior a dez por cento do que já foi e continuamente devastada, merece atenção especial de todos os beneficiados com esse verde. O microclima garantido pelas árvores. A temperatura amena, um dos resultados de contarmos com essa vegetação. A água, cada vez mais rara e disputada. A fauna silvestre. A possibilidade de um turismo ecológico, fator relevante para a implementação de consistente projeto de educação ambiental, prometida pelo constituinte e até agora negligenciada.
É uma questão de sobrevivência da humanidade num planeta frágil e exaurido. A Terra chegou ao seu limite. Dá incessantes sinais de exaustão, mas isso não sensibiliza o humano, um animal que se considera racional, mas que é rude, primitivo e acometido de soberba ignorância.
Recorrendo novamente à Constituição, o formulador desse ajuste de condutas que deve reger nossa vida prometeu uma Democracia Participativa, pois a sua forma representativa já não satisfaz a ninguém. É raro que alguém se considere efetivamente representado no Brasil de 2022. Por isso, uma das fórmulas para fazer com que o povo de fato participe da gestão da coisa pública é estimular a cidadania a proteger os valores mais caros à sua comunidade.
Jundiaí merece projetos de envolvimento da população na defesa da Serra do Japi. Não defesa retórica, mas defesa efetiva. Exigindo ampliação dos limites da área protegida. Exigindo proteção de verdade. Formando grupos para criar viveiros de mudas, para preencher os vazios causados pela ganância. Fazendo com que a infância se compenetre da imprescindibilidade de proteção da Serra para permitir que novas gerações também usufruam de seus benefícios.
É motivo de orgulho para a criança jundiaiense morar num município que tem a Serra do Japi. Ela deveria ser matéria permanente do currículo de todas as escolas aqui sediadas. E merecer cuidado, tutela permanente e estímulo para que não venha a desaparecer, como tem acontecido com outros biomas tupiniquins.
José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022.