Estátua em homenagem ao poeta bragantino Oswaldo de Camargo foi inaugurada no sábado (30/4), em solenidade organizada pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. Ela está localizada na Praça da Poesia, que leva o nome do poeta.
“Estou vendo Bragança Paulista como pioneira no quesito igualdade. A cidade está sendo ‘corajosa’ e ‘original’ ao me homenagear. Acredito que eu seja o único escritor valorizado desta maneira. Além de tudo, eu vejo essa iniciativa como uma homenagem à literatura afro-brasileira, acima de tudo. Estou muito emocionado”, comentou Oswaldo de Camargo.
A obra retrata o poeta sentado em um banco em formato de livro, olhando para o horizonte, com seu livro em mãos. O monumento, confeccionado em bronze, tem aproximadamente 1,70m e foi produzido por Adélio Sarro Sobrinho, pintor, desenhista, escultor e muralista brasileiro.
O vice-prefeito, Prof. Amauri Sodré, que representou o prefeito Jesus Chedid, ressaltou a importância de valorizar um nome tão importante para a cidade. “Hoje estamos reunidos novamente na Praça da Poesia, que leva o nome de Oswaldo de Camargo. Novamente o grande poeta bragantino está recebendo uma justa homenagem. Desta vez, uma escultura em tamanho real, eternizando seu nome e sua imagem. Estamos valorizando a literatura através de um grande poeta”, assinalou.
Também se fizeram presente na homenagem, o deputado Edmir Chedid, a secretária de Cultura e Turismo, Vanessa Nogueira; a presidente da Câmara Municipal, Gislene Bueno; Vitor Prado, representando o artista Adélio Sarro, que produziu a obra e o homenageado, Oswaldo de Camargo.
Durante o evento, funcionários da Secretaria Municipal de Meio Ambiente fizeram a entrega à população de mudas de Araçá Amarelo, Jabuticaba, Pau Viola e Dedaleiro.
O Deputado Estadual, Edmir Chedid, esteve presente na solenidade e expressou alegria em participar de mais uma homenagem ao poeta. “Oswaldo de Camargo tem muita história no Brasil e no mundo, mas, não era tão conhecido na nossa cidade.Com isso, a Administração Municipal resolveu homenageá-lo com o nome desta praça e agora com uma estátua. Um grande ato, valorizando não só ele, mas também todos os poetas do Brasil”, ressaltou o parlamentar.
Após a solenidade, a população assistiu a apresentação do grupo Zé da Gente, com grandes clássicos do samba.
Dedicado a ASES Associação de Escritores de Bragança Paulista
O que rima com Bragança?
Oswaldo de Camargo
Para um poeta que decide e teima em fazer da rima a “salvação da lavoura poética “, como se expressou — acredito que com alguma ironia — o nosso Carlos Drummond de Andrade, Bragança rima com palavras que têm variegadas tonalidades de cor, entre elas bonança (pense em certas manhãs de azul- claro sobre a Cidade, prenunciando que tudo correrá bem durante o dia), ou esperança, moça que nunca envelhece e nos apresenta sempre, para nosso alento, o verde, habitante amoroso das serras que emolduram esta morada da poesia. Rima perfeita, a palavra criança é o esteio maior desta crônica.
Alegra-me achar no nome de minha cidade não só uma possibilidade de rimas felizes. Coube-me, sim, a sorte de, a partir de meu nascimento, em 1936, na Fazenda Sinhazinha Félix, hoje Fazenda do Trigo, ter sido envolvido por uma paisagem que, desde que por mim avistada, jamais se afastaria de meu viver. Registro esse pensamento em meu livro Raiz de um negro brasileiro, de 2015: “Se a criança –conforme teoria que li há algum tempo – logo que, abertos os olhos, por ânsia de sobrevivência e mancomunar-se depressa com a vida, imediatamente se força a absorver toda a paisagem que a circunda, além da humana, com seu cortejo de gestos, falas, olhares, sem dúvida o casarão de Sinhazinha, trecho de meus arredores de início, fez e faz parte , desde sempre, do meu indesviável rumo. Enfiou-se-me por dentro desde meus primeiros dias”.
Não fosse esse princípio, e , após, já órfão de mãe, com sete anos, ter sido internado no Preventório Imaculada Conceição, em 1943, minha paisagem de dentro não teria a feliz possibilidade de juntar a Bragança as palavras bonança, luminosa infância, esperança.
O Preventório, que tem hoje substancial parte tombada, me deu as normas rígidas de disciplina, obediência, tentativa de esforço contínuo para ser bom, procurando dividir-me sempre com o outro. Deu-me o amor ao folclore (nada me fez sofrer tanto como, aos oito anos, ouvir lá a história do Antoninho e o pavão do mestre — “Bom dia, papai, mamãe,/ bom dia eu venho dar, / matei o pavão do mestre,/ não sei como hei de pagar” (…).
Estou convencido de que o encontro, no Preventório, com a música de Beethoven, Haendel (compositor do famoso Largo da ópera Xerxes), Francesco Durante, tocada pela pianista Miquelina Ozório em um modesto harmônio existente na capela dedicada à Imaculada, entrou-me na alma exigindo em minha vida perpétua permanência. São reminiscências que eu, filho de caipiras apanhadores de café, analfabetos, não posso deixar de privilegiar na lista do muito com que Bragança me vestiu espiritualmente naquela secular instituição, em um tempo já desde decênios escoado, mas que responde ainda hoje pelo meu amor à Arte, à Literatura, amor à vida, alegria, esperança.
A honraria intelectual e social com que Bragança me distingue tem, na sua raiz, o que a Cidade me deu na infância, sendo neste caso uma rima perfeita. Ter recebido em São Paulo o título de Cidadão Paulistano; a Medalha Zumbi dos Palmares, em Salvador; a Medalha João da Cruz e Sousa, em Santa Catarina; ter convivido com nomes luminares da Literatura brasileira, entre eles Guilherme de Almeida, Lygia Fagundes Telles, Hilda Hilst, Paulo Bomfim, Sérgio Milliet, participante do primeiro momento do modernismo instaurado com a Semana de 1922, remete para meu nascimento na Fazenda Sinhazinha Félix e meus três anos no Preventório , onde me ensinaram a escolher sempre o caminho do bem, apegar-me à paixão pelo Belo, amar o livro, fazendo dele uma grande amizade, como escreveu, com uma frase famosa, o escritor francês Marcel Proust. (Sobre isso me deterei longa e amorosamente em minhas memórias que, escritas neste ano, tentarei publicar em 2023.)
Sou um simples jornalista e modesto escritor agraciado com finos atos de carinho por minha cidade. Os livros que recebi da ASES, por ocasião da inauguração da Praça da Poesia Poeta Oswaldo de Camargo em dezembro de 2021, convenceram-me de que aqui a Literatura pulsa extraordinariamente, já há 30 anos, com o conto, o poema, a crônica, o romance, a novela. Há mais de 30 anos a Associação cultua a beleza, confia no poder da palavra, justifica com plenitude o epíteto de Cidade Poesia dado a esta urbe privilegiada do Estado de São Paulo.
Desejo pertencer a esse grupo de escritores bragantinos que, parafraseando Proust, tem na Literatura uma grande amizade. Mas é imperioso lembrar, como companheira da ASES, a Academia Bragantina de Letras. Com ela, Bragança, desde muitos anos, vem prestigiando a arte que registra, com a palavra, as manifestações mais nobres do espírito humano, em sua esperança, alegria ou dor, sonhando com a imortalidade.
Amo Bragança, por ser meu berço e por seu alto aplauso à Beleza e à Arte. De outra forma, muito me emociona seu clamor pela igualdade, como se torna manifesto pelo ato de dar meu nome à Praça da Poesia e a escultura em que me apresento com um livro no colo.
Bragança pertence ao número de cidades brasileiras que, com homens e mulheres apaixonados pela Arte, cerram fileiras para que o mal, a feiura, a desigualdade, em todos os campos, sejam derrotados.
Considero-me irrelevante. Sou um simples filho de apanhadores de café, nascido na Fazenda Sinhazinha Félix e que, aos 80 e tantos anos, rima ainda Bragança com esperança.
Sou um homem preto, em um Brasil difícil, e que sem pretender, mesmo com sua origem obscura, deu ocasião para Bragança Paulista mostrar-se original, luminosa, única, corajosa , apontando rumos a outras cidades deste país.
Tenho certeza de que os que defenderam a indicação de meu nome para essas homenagens entrarão na história da Literatura brasileira.
Romperam com o usual, com o comum. Entram na história da Literatura brasileira o prefeito Jesus Chedid, os vereadores que aplaudiram meu nome, a Secretaria de Cultura com seu entusiasmo e infatigável trabalho.
Bragança não rima apenas com algumas palavras belas de nossa língua. Insere-se entre as cidades brasileiras que com a arte e a cultura e a força da poesia se esforçam por um Brasil melhor, mais feliz e igual. Está em meu coração, desde o meu início. Estará até o fim.
Oswaldo de Camargo é jornalista e escritor.
Entre seus livros se encontram Raiz de um negro brasileiro, memórias de sua infância passada em Bragança, nos anos 1936- 46, e a novela Negro Disfarce, cujo enredo, na maior parte, se desenvolve na Cidade Poesia.