Há muito tempo, lendários antepassados vindos da gélida cadeia montanhosa da Cordilheira dos Andes, atravessaram por laboriosos caminhos entre pradarias e florestas, vulcões e lagos, trazendo pilhas de tesouros ancestrais até o Nordeste do Brasil. Uma riqueza monumental. Ocultada nas profundezas rochosas de uma extensa furna nos arredores da Bica do Ipu, no estado do Ceará. Protegida por um enorme dragão, detentor de uma ira – até então – indomável.
Alguns antigos presumem que esse dragão possui escamas parecidas com as rochas da gruta onde habita; de tons amarelados e acinzentados, para quando quer se camuflar, como um legítimo predador. Também existem versões que lhe atribuem aspectos ofídios, pertinente nas primeiras anotações sobre sua existência mitológica, como as feitas pelo naturalista e historiógrafo Antônio Bezerra, por volta de 1884. É uma criatura mortífera, que poderia afugentar até mesmo os mais bravos aventureiros. Contudo, houveram cronistas que registraram a figura de um homem que não temeu tamanha monstruosidade, e foi em busca do fabuloso tesouro. Um homem sem nome, citado apenas como “O Holandês” – historicamente existiu de fato uma forte presença holandesa na região, por efeito das invasões que se concentraram no atual Nordeste, durante o século 17.
É narrado que o referido holandês rumou em uma jornada pelas matas da Serra do Ibiapaba, onde surpreendia-se com abismos de pedras e exuberantes cachoeiras, à medida em que avançava até chegar ao destino final. Entranhando-se enfim pela caverna do monstro. Um local misterioso, que dizem estar localizado ao pé da serra, embora muitos citem sua passagem pela direita do “véu de noiva” da bica.
Ali não demorou para que seus passos na escuridão de tal antro fossem iluminados por dois globos vermelhos e incandescentes, que anunciavam-se logo adiante. Era o crítico prenúncio do dragão descomunal, que o encarava com olhos de fogo, enquanto abria lentamente a pavorosa mandíbula; disposto sobre o dourado fulgor das encontradas preciosidades, pronto para triturar o explorador.
Porém, o perspicaz homem era conhecedor dos segredos para se fazer aquela criatura fechar os olhos flamejantes em um sono temporário. Muitos afirmam que ele utilizou de magia e outros saberes pagãos para atingir este feito. Já certos cristãos acreditam que, na realidade, ele proferiu uma reza de contrição naquele instante, conseguindo atenuar uma ambição exagerada, sendo assim resguardado contra o dragão. Em meio a essas questões, há o consenso de que somente ele conseguiu tal proeza, ao apanhar uma certa quantia daquele grande tesouro e sair ileso.
Assim, para que sua nova riqueza fosse divinamente protegida, ele enterrou o razoável montante que acabara de conquistar em uma praça, à frente de onde estavam sendo construídas as primeiras paredes de uma capela, daquela que viria a se tornar a Igreja de São Sebastião (padroeiro do município de Ipu). No entanto, houve um momento em que o holandês já não conseguia mais conter toda sua cobiça, decidindo assim retornar ao covil da fera dracônica para pegar o restante do tesouro.
Em seu regresso pela rota mítica, entrou novamente na caverna, caminhando e rastejando por entre camadas de pedras. Logo, o brilho do tesouro, junto às labaredas que pulsavam das córneas da criatura, formavam um intenso clarão refletido nas arrepiantes estalactites da gruta. Dando a certeza de que estava próximo do objetivo mais uma vez. Nem mesmo o infernal calor emanado por aquele ambiente dantesco, ou os estrondos das narinas e o sibilar da língua bifurcada do dragão, eram suficientes para oprimir a obsessão do holandês, que admirava ainda mais ávido pelos montes de prata e ouro dos quais deparava-se novamente.
Entretanto, o terrífico dragão, que era um apreciador de desafios, não caiu novamente nas ações do aventureiro, ali desnorteado com a própria ganância. O resultado, então, foi a ruína daquele homem; incendiado e cruelmente devorado pelo bicho escamoso.
Anos mais tarde, um dito major do sertão, chamado João da Costa Alecrim, desenterrou a quantia que havia sido deixada na cidade pelo holandês, aquela ocultada sob a guarda de São Sebastião. O sertanejo ficou rico da noite para o dia. Mas, por servir de uma riqueza que estava zelada por um santo, ficou extremamente malquisto, passando a ser odiado e evitado pela população.
Até o final de sua vida, todos viraram as costas perante Alecrim, que ficou conhecido como o profano usurpador do intitulado “Tesouro do Holandês”.
Caio Sales é ilustrador e escritor, autor da série O Imaginário do Mundo. Pós-Graduado em Marketing pela PUC-Campinas; e Pós-Graduando em Sociologia, História e Filosofia pela PUC-RS. Também é criador do blog My Creature Now, sobre criaturas mitológicas e lendas urbanas. @caiosales_art