Algumas pessoas, ao entrar ou sair do estado de sono, têm a infelicidade de vivenciar a terrível sensação de, mesmo com toda a força de vontade, tentar se mexer e não conseguir. Permanecendo deitados e totalmente inertes, sem resposta dos próprios movimentos e incapazes de falar. Algo como um despertar incompleto; como estar em parte acordado, mas com o corpo ainda dormindo. Acompanhado pela falta de ar e por um sentimento de medo, ou até por alucinações, tal fenômeno é conhecido como paralisia do sono.
A ciência explica que isso ocorre quando os músculos relaxam antes da mente, ou quando a nossa consciência é recuperada antes da mobilidade, devido a uma desordem entre a atividade cerebral e corporal. Geralmente causada pelo alto nível de estresse ou por noites mal dormidas. Podendo durar de poucos – e intermináveis – segundos a dois minutos. No entanto, adentrando pelo mundo do fantástico do sudeste brasileiro, no estado de São Paulo e nos arredores de Minas Gerais, encontramos uma explicação sobrenatural para a paralisia do sono: dizem se tratar de um asqueroso encontro com a Pisadeira.
Criatura que descende dos confins mais agonizantes do domínio onírico, a Pisadeira é uma mulher velha e imunda. De nariz recurvado e queixo pontiagudo, cabeleira desgrenhada e dentes esverdeados de tão podres. Tem um corpo quase esquelético, mas absurdamente pesado, que posiciona em cima de infelizes adormecidos para sufocá-los. Surge ao anoitecer, como uma personificação não apenas da perturbação noturna, mas principalmente da indigestão causadora de pesadelos.
O terror espalhado por essa demônia anciã tem sua origem em Portugal, onde possui um certo grau de parentesco com o enfadonho Fradinho da Mão Furada – espécie de duende caseiro unicamente lusitano. Dentre os eruditos, o psicanalista Mário Corso, baseado no folclorista Câmara Cascudo, nos conta que a palavra pesadelo, em português, assim como pesadilla, em espanhol, derivam de peso. Alusão bastante pertinente diante do cortejo de pesadelos que a Pisadeira oferece com sua compressão sobre as vítimas.
Ela fica escondida nas trevas, à espreita pelos telhados das casas. Seus alvos, sem distinção de idade, são aqueles que dormem logo após se empanturrarem em um farto e saboroso jantar. No meio da noite, ela começa a abeirar-se, pronta para entrar por qualquer fresta das janelas, ou, se for o caso, por uma chaminé. Grotescamente arqueada, dispondo suas pernas curtas e mãos secas e desmesuradas, ela vai caminhando pelo corpo da vítima. A pessoa deitada logo sente sua presença, e quando abre os olhos avista aquela carranca assustadora de olhos chispantes. Ao tentar gritar, a voz não sai; ao tentar se mover, o corpo não reage. A falta de ar vem junto do desespero da paralisia. Enquanto a Pisadeira vai oprimindo cada vez mais o estômago e o peito de sua presa, alimentando-se do medo emanado.
Ao acordar dessa espécie de transe sombrio, a maioria sai ainda com vida, mas traumatizados; com a carne e a alma arranhadas por aquelas unhas aduncas e encardidas. No entanto, alguns malfadados glutões têm sua barriga tão pressionada, que morrem asfixiados com o próprio vômito.
Quais os conselhos deixados pelos folcloristas? Evite alimentos pesados antes de dormir, não abuse da gula e não durma de barriga para cima, ou para baixo. Só assim para escapar da visita nefasta da Pisadeira.
Caio Sales é ilustrador e escritor, autor da série O Imaginário do Mundo. Pós-Graduado em Marketing pela PUC-Campinas, também é criador do blog My Creature Now, sobre criaturas mitológicas e lendas urbanas. @caiosales_art | Acesse: www.mycreaturenow.com