Espantar cobra da plantação, tirar medo da criança, quebranto mau-olhado, dores e doenças em geral. O benzimento, uma das práticas mais antigas existentes e muito popular no Brasil, é uma reza poderosa feita com muita fé e plantas medicinais, sempre transmitida entre as gerações. Esse sincretismo religioso compõe o projeto “Benzedeiras, tradição milenar de cura pela fé”, que documenta em fotografias, vídeos, livro e exposição artística 11 benzedeiros atuantes na cidade de Socorro (SP), localizada no Circuito das Águas Paulista.
Com curadoria da artista plástica Marinilda Boulay, realização do Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa, e apoio do município de Socorro e do ITC (Instituto Totem Cultural) – o qual a artista preside, o projeto compreende pinturas, esculturas, fotografias e bordados de mais de 70 artistas e fotógrafos convidados, nacionais e internacionais, expostas no Museu Municipal de Socorro e com visitação virtual pelo site totemcultural.org.br/expo, além de um documentário em curta-metragem, o lançamento de um livro (14/11) e oficinas em formato de lives.
“Benzimento significa bem dizer e é destinado a afastar doenças e maus, aplicando sobre as pessoas gestos, ao mesmo tempo em que se diz uma prece. Muitas vezes, o ato de benzer é acompanhado por ervas, das quais essas pessoas são profundas conhecedoras. O benzimento conta fundamentalmente com a fé, que deve estar inscrita nos corações de quem benze e de quem o recebe”, diz Marinilda, que é neta de benzedeira.
Premiado pelo ProAC (Programa de Ação Cultural), o projeto tem como objetivo fortalecer e transmitir as tradições paulistas entre as gerações. Na pesquisa de campo, realizada de fevereiro a agosto deste ano, que contou com uma equipe de fotógrafos da Europa (antes do início da pandemia), foram encontradas oito benzedeiras, três benzedores e uma terapeuta bioenergética espalhados por vários bairros da zona rural e urbana de Socorro, que hoje atendem pessoas de vários cantos do País, presencialmente e com a ajuda da internet.
“Essas mulheres e homens receberam os ensinamentos (dom) dos antigos, muitos deles dos avós, sempre de forma oral. Por isso, eles mantêm em segredo a oração e os rituais que proferem, passando somente a quem irá continuar o benzimento, quando pararem de benzer. Os benzedores exercem uma atividade que ainda resiste entre nosso povo, em pleno século XXI, e dialoga com as novas tecnologias, encontrando soluções para continuar benzendo durante a pandemia, à distância, por telefone ou WhatsApp”, afirma a curadora do projeto.
“Benzedeiras, tradição milenar de cura pela fé” tem como produtor cultural o fotógrafo francês e marido da artista Bruno Boulay, além da participação especial do fotógrafo e jornalista Cuca Jorge e de uma equipe de três jovens fotógrafos da Bélgica e Paris, Clara de Ro, Capucine e Alex, estudantes da conceituada escola de artes visuais La-Cambre, em Bruxelas.
Na exposição presencial e on-line (totemcultural.org.br/expo), há também obras de mais de 70 artistas, a maioria de estética naïf, de vários lugares do Brasil como Ceará, Minas Gerais, Rondônia, São Paulo, Bahia, Paraíba, Espírito Santo, Pernambuco, Rio de Janeiro, Mato Grosso, entre outros. São pinturas, esculturas, fotografias e bordados, algumas originais e outras impressas sobre cetim. O destaque fica para a instalação coletiva realizada especialmente para a mostra, com trabalhos de 13 bordadeiras integrantes do programa “UniversIDADE”, da Unicamp, conduzido pelo casal Vânia Furlan e Beto Furlan.
Um documentário em curta-metragem, dirigido por Marinilda, com edição de Magda Moraes, que retrata e entrevista os benzedeiros com seus conhecimentos e diversas formas de atuação, já foi lançado e pode ser acessado no canal do YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=0wXaWK4mLJk&feature=youtu.be).
Já o livro de arte, que tem simultaneamente função de catálogo da exposição, será lançado no dia 14 de novembro. A obra com 112 páginas, diagramada pelo arquiteto Julien Boulay (que reside no Vietnã), destaca cada benzedeira e benzedor em texto e fotografias, além de uma seleção de imagens dos trabalhos presentes na exposição. O prefácio do livro é assinado por dois convidados: “Sobre as Benzedeiras”, da filósofa e poetisa Lúcia Helena Galvão Maya, docente da Nova Acrópole Brasil, em Brasília, e “Beleza dos ofícios – o Benzimento segundo a arte naïf”, do professor Augusto Luitgards, PhD em História da Arte pela PUC (MG).
“Esse livro de arte é uma ferramenta suplementar no contexto do projeto, na busca pelo fortalecimento e transmissão das tradições ancestrais paulistas entre as gerações, colaborando com a continuidade e valorização do patrimônio imaterial da nossa cultura e fé, independente da religião e da crença, para a cura do corpo e da alma”, avalia Marinilda.
‘Você quer um chazinho?’
Um extenso programa de atividades culturais para crianças e adultos acontece durante o período da exposição “Benzedeiras, tradição milenar de cura pela fé”, até o dia 14 de novembro, com lives de formação e capacitação on-line e a oficina “Você quer um chazinho?”, que acontece em parceria com a Rede Municipal de Ensino de Socorro. Os encontros, mediados por Marinilda Boulay, acontecem na página do Facebook (https://www.facebook.com/marinilda.bboulay) e no YouTube da artista (veja programação abaixo).
Essas atividades são realizadas de maneira lúdica, com contação de história, a partir dos conhecimentos ancestrais das pessoas entrevistadas para o projeto, em torno da herbária: ervas e flores terapêuticas e seu uso em chás.
As oficinas “Você quer um chazinho?” contam com a participação especial de Viviane Mantovani, nutricionista, Tea Blender, terapeuta fitoenergética e autora do projeto “Cores de Chá”. “Acredito na evolução das pessoas, no poder oculto das ervas, na cura de doenças e na renovação de energias, trazendo bem-estar e equilíbrio espiritual. Meu propósito é ajudar a reduzir o consumo de remédios alopáticos, buscando na natureza ingredientes para uma vida muito mais leve e saudável”, diz.