Por uma ignorância hipócrita perpetrada em 1946, o Brasil fechou as portas dos cassinos, colocou na rua setenta mil pessoas e começou a perder dinheiro para os espertos que continuaram a explorar o jogo.
Hoje, todos jogam. Os ricos vão a outros países, alguns até vizinhos. Os que não podem, fazem as inúmeras loterias que o governo explora. O jogo de bicho preserva a sua vocação de aposta honesta. E até mesmo Hans Kelsen reconheceria que essa contravenção deixou de existir, porque não há o menor respeito por sua permanência. Quando ninguém obedece uma norma, há uma derrogação absoluta. Com esse argumento, os pseudo-contraventores foram absolvidos e para um Estado jogador, seria no mínimo paradoxal punir a concorrência.
Mas o advento da Quarta Revolução Industrial fez com que o jogo pela internet ganhasse o mundo. Milhares de brasileiros jogam poker e quem ganha é a Inglaterra, os Estados Unidos e outros países espertos. Quando se visita Saint Moritz, na Suíça, os melhores hotéis oferecem aos hóspedes uma cartilha de como jogar, com algumas fichas e convite para drinque e jantar gratuito.
Enquanto isso, o Brasil patina e resiste à tendência universal de liberar o jogo, alimentando a ilicitude que o explora por baixo do pano.
Passo tímido se deu com a Medida Provisória 923, de 2.3.2020, que altera a Lei 5.768, de 20.12.1971 e dispõe sobre a distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-bride ou concurso, a título de propaganda e estabelece normas de proteção à poupança popular.
Autoriza redes nacionais de televisão aberta, aquelas assim reconhecidas pela Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações, que prestem serviços de entretenimento ao público, por meio de aplicativos, de plataformas digitais ou de meios similares, a essa exploração que injeta recursos domésticos numa economia frágil.Não é transformação de emissoras de TV em cassinos. É reconhecer que o Brasil está drenando substanciosos recursos para outros Países, quando poderia ser o destino preferido de milhões de jogadores estrangeiros.
Nunca mais será possível recuperar as décadas perdidas em que nossa indústria foi sucateada. O setor de serviços é o que permite às Nações sobreviverem no século 21. Com os oito mil quilômetros de orla, enquanto o aquecimento global não engolir nossas cidades praianas, temos tudo para atrair o turismo planetário.
Catorze milhões de desempregados precisam se qualificar para essa indústria negligenciada: o turismo. Temos cultura diversificada, folclore exuberante, paisagens sedutoras e clima aprazível o ano inteiro, para recuperar a lenda do “Paraíso Terrestre”, que os portugueses acreditavam haver reencontrado quando da “descoberta” em 1500.
Quantas atrações os cassinos não poderiam propiciar, aproveitando-se do talento natural de nossa juventude para a música, para o show e teatro, para os esportes de praia e de piscina? Seria um investimento fantástico em nossa gastronomia, com o despertar de talentos para a elaboração de bebida e comida logo considerada a melhor do mundo.
A juventude sem trabalho nunca terá emprego suficiente para atender à urgência de um sobreviver com dignidade. O caminho natural será o investimento numa vocação para a qual o Brasil foi dotado pela Providência ou pela natureza, conforme queiram.
O jogo é provido daquela sedução lúdica, à qual poucos resistem. Mas ele é apenas um dos pretextos para que o turismo tupiniquim possa competir com os profissionais dos países que recebem milhões de visitantes, enquanto nós continuamos toscos amadores.
Os próprios críticos da Medida Provisória 923 reconhecem que a iniciativa não elimina a concorrência dos que vierem a ser beneficiados, com a internet. Mundo mágico suficiente para a profunda e irreversível mutação em que a sociedade planetária sofreu nas últimas décadas e que oferece, nas múltiplas telas dos mobiles, modalidades de aposta mais atraentes, mais inteligentes e compatíveis com esta geração que já nasceu com chip em seu cérebro.
Um motivo a mais para reclamar postura ousada e audaciosa de um governo que precisará dar resposta imediata aos desamparados pelo avanço do corona vírus. A permissão para o jogo é a providência que se mostra adequada para vencer o recrudescimento de uma crise que voltou robusta e forte com a pandemia que nos flagela.
Todos os argumentos farisaicos utilizados pelos inimigos do jogo, se cotejados com a situação de indigência da maioria sem trabalho e sem emprego, tornam-se inócuos e estéreis. Se jogar fosse um vício mortal, como é que a sociedade brasileira conviveria com as filas que se formam nas lotéricas, evidência da ilusão do pobre em tornar-se um dia milionário?
Se algo é intrinsecamente mau, o Estado não pode patrociná-lo. Se não é, precisa liberar a prática para a iniciativa privada. Esta já comprovou ser mais eficiente e menos dispendiosa do que as estruturas arcaicas e burocráticas de um organismo que urge atualizar, sob pena de se tornar cada vez mais descartável.