Desde o período colonial e seus subsequentes, o território de Santa Catarina entrou na rota dos navegadores europeus. A contínua chegada de alemães e austríacos gerou uma forte presença germânica no estado – estima-se que mais de 40% da população catarinense tenha raízes alemãs. A cidade de Guabiruba é um ótimo exemplo da tradição germânica por essas terras. Com sua colonização predominantemente vinda de Baden, e sua história entrelaçada à Brusque, o município catarinense com pouco mais de 20 mil habitantes é até mesmo considerado coirmão da cidade alemã de Karlsdorf-Neuthard. Dentre diversos costumes, o local traz consigo a lenda do afamado Pelznickel, criatura natalina do folclore germânico, que conta com diversas e marcantes celebrações na cidade brasileira.
Ainda sobre as tradições alemãs, apesar de serem manifestações comuns no bestiário fantástico de diversos povos pelo mundo, pode-se dizer que os dragões ocupam um posto especial nas lendas germânicas. Desta forma, não é surpresa os habitantes de Guabiruba terem relatado a presença de um dragão em sua cidade. A lendária criatura, batizada como Dragão da Guabiruba, foi avistada pela primeira vez em 1982, na região montanhosa do Lageado Alto, e desde então faz parte do imaginário guabirubense. Por ser uma lenda bastante regional, entre jornais e outras fontes de pesquisa, também contatei moradores e a prefeitura de Guabiruba, que me validaram a história; inclusive, o próprio site da cidade faz menção ao monstro.
Tudo começou em uma aparente manhã comum, quando um aplicado agricultor foi até a mata buscar folhas de caeté para o seu gado. Tudo corria bem, até o momento em que deparou-se com algo surpreendente sobrevoando a área. Com suas imensas asas abertas, silhuetava-se como um enorme pássaro quando visto lá no alto. Mesmo espantado, o homem seguiu trabalhando, mas, quando essa coisa aproximou-se, seus olhos não acreditaram no que viram. Era aterrorizante, uma corpulenta criatura marrom e com escamas, que serpenteava sua longa língua flamejante de forma intimidadora. O homem não perdeu tempo e voltou desesperadamente para casa. Ofegante, após vivenciar momentos de terror, tinha o desespero gravado em sua face. Depois daquele dia, descrições idênticas começaram a surgir, e a população também começou a falar sobre uma enigmática gruta próxima ao local.
Ao ser narrada como uma ave parecida com um dragão, a monstruosidade brasileira logo me remeteu às descrições da lenda africana do Kongamato, criatura que muitos criptozoólogos acreditam ser uma espécie sobrevivente de pterossauro – grupo de répteis voadores que surgiram no período Triássico, com diversos fósseis encontrados pelo Brasil, inclusive na região Sul. Assim, enquanto pesquisava sobre o mito guabirubense, também encontrei uma reportagem de 1990, do jornal catarinense “O Município”, que, além de entrevistar o próprio agricultor da lenda, hoje já falecido, cita que algumas pessoas da região também diziam acreditar na hipótese de ser um animal pré-histórico, que hiberna e aparece de oito em oito anos.
As características que fazem analogia a um réptil voador, sua sinuosa língua em brasa como uma intensa rajada de fogo, e suas grandes dimensões, foram pontos cruciais para a população relacionar a criatura com um dragão alado, caracterizando de vez seu mito. Em meio a boatos, brincadeiras, teorias com um acidente aéreo, e medos reais, o ente folclórico foi ganhando popularidade e, mesmo com certos períodos de inatividade, foi avistado outras vezes. Devidamente marcado como um dos ícones da cidade, supostamente o intrigante Dragão da Guabiruba domina os céus e as minas abandonadas da região até hoje, percorrendo as matas municiado com seu aterrador hálito carregado de chamas.
Caio Sales é ilustrador e escritor, autor da série O Imaginário do Mundo e criador do blog My Creature Now, sobre criaturas mitológicas e lendas urbanas. | @caiosales_art