Boitatá é aquele que protege os campos e as pastagens contra incêndios. A serpente flamejante do folclore brasileiro é um dos primeiros mitos registrados no país. Em alguns lugares é grafado como Mboitatá, que vem do termo tupi-guarani “cobra de fogo” (Mbói – cobra; Tatá – fogo), e em outras regiões é conhecida como Baetatá, derivando para “coisa de fogo” (Mbai – coisa; Tatá – fogo). O primeiro relato ocorreu em maio de 1560, pela escrita do padre José de Anchieta aos seus superiores em Portugal. Quando reportava flora, fauna e costumes nativos da região litorânea paulistana, que era a Capitania de São Vicente. A carta trazia citações sobre um facho cintilante que lançava-se rapidamente de maneira fatal nos indígenas, causando diversas mortes pela “coisa de fogo”.
Nota-se que a primeira descrição não falava exatamente sobre uma cobra. O jesuíta trazia em suas anotações algo como um fogo vivo, uma espécie de fantasma luminoso que vivia próximo ao mar e aos rios. Porém, o fato da criatura flamejante movimentar-se de forma ondulada, somado às similaridades das palavras “Mbói” e “Mbai”, do idioma tupi, trouxeram a associação do espírito com uma cobra, que foi a figura que se popularizou.
O Boitatá seria uma entidade, descrito como um espírito ou fantasma de uma enorme cobra transparente e luminosa, que emite fortes raios de luz e de calor ao surgir na noite, deslizando pelas campinas e beira dos rios. Envolta em chamas azuis e amarelas, seus olhos irradiam como dois faróis. A serpente flamejante ataca aqueles que realizam queimadas, alimentando-se dos olhos das vítimas. Os olhos findam-se como parte de seu corpo transluzente, brilhando de forma intensa.
Diz a lenda que ele também pode se transformar num pedaço de madeira em brasa para abater aqueles que fazem as queimadas. Existe também o risco de ficar cego ou louco perante o Boitatá. Em alguns relatos, persegue pelos campos de forma letal aqueles que destroem a natureza, até a vítima morrer de cansaço. As únicas formas de sobreviver são: ficar imóvel e sem respirar, apertando os olhos firmemente para mantê-los bem fechados e seguros; ou, atirar algo feito de ferro na serpente, pois assim ela irá se desfazer em labaredas e olhos, e pausar temporariamente o ataque.
Uma das possíveis explicações para a lenda do Boitatá seria o fenômeno do fogo-fátuo, uma luz azulada – daí viriam as descrições das chamas azuis da serpente – que pode ser avistada em terrenos pantanosos, lagos, ou até mesmo em cemitérios. Os cientistas afirmam que as misteriosas chamas azuis estariam relacionadas à decomposição dos corpos de seres vivos. O processo de decomposição da matéria orgânica promove a liberação de gases que podem ser inflamados quando em contato com o ar, sendo capazes de gerar o fenômeno. Ao fugir dele, o movimento do ar faz com que o fogo-fátuo mova-se na mesma direção da pessoa. Esse produto da combustão é recorrente no mundo todo, ocasionando diversas lendas mundo afora, na tentativa de justificá-lo, como a famosa lenda argentina e uruguaia da Luz Mala, ou a Inlicht, do folclore alemão.
Caio Sales é ilustrador e escritor, autor da série O Imaginário do Mundo. Pós-Graduado em Marketing pela PUC-Campinas, também é criador do blog My Creature Now, sobre criaturas mitológicas e lendas urbanas. @caiosales_art | Acesse: www.mycreaturenow.com