FRASE: “Há que se recuperar, manter e transmitir a memória histórica, porque se começar pelo esquecimento terminará na indiferença. (José Saramago)
SANTA BASILISSA
A prefeitura autorizou (legalmente) a demolição de um dos prédios mais icônicos da história econômica, política e cultural de Bragança Paulista. No início da semana, de madrugada e no silêncio do carnaval pandêmico, o prédio da extinta Cia.Têxtil Santa Basilissa, sem nenhum aviso prévio, veio ao chão.
Nada de ilegal no procedimento. Mas sem dúvida causou grande impacto sob o ponto de vista histórico àqueles bragantinos de berço ou por adoção que consideram a preservação do patrimônio histórico parte da memória de um povo.
INFLUÊNCIA ECONÔMICA
A Santa Basilissa começou a operar em Bragança no ano de 1913 para produzir fios e tecido de algodão que chegou a atender às guerras de 1918 e 1945, inclusive produzindo tecido para fardamento do Exército Brasileiro.
Chegou a empregar de 200 a 700 famílias numa época em que Bragança não tinha nem 50 mil habitantes e a maioria da mão de obra existente era empregada na cafeicultura, agricultura e pecuária.
108 anos depois, as gerações surgidas daquelas famílias ainda lembram até com certo saudosismo das histórias que seus pais e avós contam até hoje.
Foi a maior geradora de emprego e renda em Bragança por mais de 70 anos. A Santa Basilissa parou de operar no final da década de 1970. Posteriormente, a Corduroy ainda tentou seguir naquele prédio até sua transferência para o bairro da Penha. Mas a Santa Basilissa já não existia mais. Restava somente o prédio.
INFLUÊNCIA POLÍTICA
Naquela época a política sindical era efervescente e o sindicato dos Têxteis, sustentado pelos operários e operárias da Basilissa tinha grande influência na política local. Até crime de morte com fundo político até hoje não esclarecido devidamente, aconteceu em época eleitoral em Bragança, vitimando um dos mais importantes líderes políticos e sindical oriundo dos quadros de funcionários da fábrica. O sindicato tinha um cacife político-eleitoral muito forte, porque mais de 90 por cento dos operários eram sindicalizados.
INFLUÊNCIA CULTURAL
Os operários e filhos tinham no Sindicato, além da proteção trabalhista, uma escola para aprendizado de arte cênica, música, biblioteca etc. O escritor e ator Gentil Leme produzia e encenava peças com elenco formado entre os operários adultos e adolescentes no palco do próprio sindicato. O sindicato era uma extensão da Santa Basilissa.
Na década de 1960, a empresa conquistou fama nacional quando começou a produzir o brim calhambeque utilizado para confeccionar as calças usadas pelo cantor Roberto Carlos, em plena ascensão da Jovem Guarda, e também o boneco de tecido MUG, popularizado por Wilson Simonal.
Criou-se até uma cooperativa que financiava alimentos e bens de consumo, como roupas, calçados, etc., aos operários para enfrentar a carestia infernal que predominava até os últimos 30 anos do século passado.
A empresa criou também um forte time de futebol, o União Têxtil FC e um Grêmio Recreativo, onde promovia festas, bailes, concertos de Banda etc. Esse prédio do Grêmio, localizado na esquina da rua Dona Carolina com a Pires Pimentel, sobrevive ainda por estar tombado pelo patrimônio histórico.
Para os padrões da época, a empresa valorizava muito seus colaboradores.
FATO INTERESSANTE
Também foi no interior da fábrica Santa Basilissa que surgiu o embrião de um dos mais importantes jornais da história da cidade: o Bragança Jornal.
Na década de 1920, o criador do Bragança Jornal, José de Oliveira, era o tipógrafo que fabricava os rótulos das embalagens dos produtos da Basilissa. E a partir de seu ofício, junto com Oswaldo Russumano e José Tomazzini, em 18 de junho de 1927, fundou o Bragança Jornal que neste ano completa 94 anos.
ONDE COMEÇOU A DEMOLIÇÃO DO PRÉDIO?
Antes da demolição física do prédio nº 162 da rua Dr. Freitas, que abrigava a maior indústria de Bragança Paulista por mais de 70 anos, houve a demolição moral e histórica de parte da memória bragantina. Isso ocorreu no dia 10 de junho de 2015, durante o execrável governo do PT.
Naquele dia aconteceu a reunião do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Bragança Paulista – CONDEPHAC – quando o proprietário do imóvel consultou a entidade se havia interesse do município em promover o tombamento do prédio.
Dos 11 membros, 9 estavam presentes. Os conselheiros Gustavo Picarelli e Ana Maria Gazzaneo, defenderam o tombamento, justificando que o prédio tinha valor histórico e cultural para a cidade e a descaracterização arquitetônica havida ao longo do tempo poderia ser perfeitamente restaurada.
Mas, infelizmente, o sentimento de preservação da memória bragantina, que a visão desses dois conselheiros anunciaram, foi ignorada pelos demais membros que votaram contra o tombamento. São eles: Ana Maria de Oliveira, Regis Lemos, Marcio R. Elvino, Luiza Maria Camargo Falcão, Mathias de Abreu Lima Filho, Rosimara Barbosa e Fernando Leal Fernandes Junior.
E, desta forma, o Conselho que atuou na gestão do ex-prefeito Fernão Dias (PT) deixou mais uma marca de destruição de nossa cidade e desta vez foi a pior, pois contribuiu também, decisivamente, para destruir a memória de nosso povo. Malditos!
Essa destruição poderia ser evitada? Sim, poderia, mas esse é outro assunto.
PESAR
Foi com muito pesar e com o sentimento de perda da minha memória de adolescente que escrevi esta Coluna hoje. Foi na Basilissa o meu primeiro emprego com registro na carteira profissional. Lá trabalharam também meu avô, meus pais e eu, que tinha apenas 14 anos. Por meio desse emprego, tive aulas de teatro com Gentil Leme, atuei em peças, iniciei aprendizado musical e tive oportunidade de estudar e aprender vários ofícios inerentes à indústria têxtil e mais tarde escolher meu destino profissional. A fachada e o prédio eram um ícone da minha memória de adolescente e de minha formação, assim como para centenas de famílias.