Inicio este texto com uma pergunta que será respondida mais à frente: o que dragões e piratas tem em comum?
Do lúdico ao terrível, do fantástico ao factual, de Capitão Gancho a Barba Negra, as histórias de piratas envolvem nossa imaginação coletiva há tempos. Esses temidos saqueadores, que seguem em atividade até hoje, tiveram sua origem junto ao início das navegações. Um importante marco da nossa evolução. Acompanhada pelo desejo de explorar novos territórios, também nascia a oportunidade de expandir o comércio através dos mares. No entanto, as embarcações mercantes tornaram-se alvo imediato da ganância humana. Anunciados por suas tremulas bandeiras negras com caveiras – as famosas Jolly Rogers –, os piratas clássicos roubavam especiarias, armamentos e tesouros, especialmente aqueles vindos do Novo Mundo, envolvendo-se em diversos conflitos. A chamada Época Dourada da Pirataria, que durou de 1650 até meados de 1730, ficou marcada por riquezas naufragadas, alcunhas emblemáticas, canhões de ferro e cantorias regadas a muita bebedeira.
Agora, quanto aos dragões.
Presentes nos contos de fadas e em diversas mitologias mundo afora, os dragões são envoltos por muitos simbolismos. Pela Ásia, eles carregam um significado de sabedoria, nobreza, força e poder. Feras sagradas e respeitadas, de traços celestiais, e que trazem proteção. Já pelo Ocidente, o dragão é quase sempre malévolo. Na Europa, embora algumas tradições os relacionem com forças primordiais da natureza, em muitas outras esses répteis míticos representam a cobiça. Segundo o renomado mitólogo Joseph Campbell, no documentário “O Poder do Mito” (1988), os dragões europeus estão sempre guardando montes de ouro e moças virgens em suas cavernas, ainda que não lhe sirvam para nada. Eles apenas guardam. Colecionam superfluamente. Como se representassem uma prisão ao ego. Bom exemplo desse exacerbado anseio por riquezas está na Mitologia Nórdica com Fafnir, um ambicioso anão que, tomado por sua ganância, transformou-se em um sanguinário dragão, guardião de um grande tesouro.
Mas então, afinal, o que dragões e piratas tem em comum? Sim. O gosto por tesouros, imbuído pelo impulso da cobiça. Mas há também outra relação entre ambos; essa, existente em terras brasileiras. Ou melhor, em um arquipélago de nossos mares. Falo de uma história sobre a lendária e incalculável fortuna do Capitão Kidd, em Fernando de Noronha.
William Kidd, mais conhecido como Capitão Kidd, foi um corsário escocês corrompido pela pirataria. Executado no ano de 1701, em Londres, após ser julgado por tal crime e traição, ficou famoso por esconder boa parte dos saques que realizava. Sendo imortalizado por lendas acerca de suas riquezas. Seu maior campo de atuação era na região de Madagascar – lar de mistérios da criptobotânica. No entanto, provavelmente em seus últimos anos de vida e já bastante procurado, ele teria navegado pelas proximidades de Fernando de Noronha.
Segundo a lenda brasileira, o icônico pirata avistou de forma salvadora o nosso arquipélago enquanto fugia de seus incansáveis perseguidores. Cercado por aquelas límpidas águas, escolheu a Caverna dos Suspiros – também chamada de Caverna do Funil – para esconder seu tesouro de toda uma vida. Com intermináveis e reluzentes montantes de ouro e pedras preciosas.
Atingida por ondas violentas, a Caverna dos Suspiros é um conjunto de fendas que culminam em um vasto e sinistro salão. Uma galeria pedregosa cavada pelo mar, ideal para esconder tamanha riqueza. Porém, são poucos aqueles que se arriscam a encarar essa aventura, pois todo esse precioso tesouro está muito bem protegido. Impiedosamente guardado por um dragão, que desperta o medo em todos com seus disparos de fogo.
Todos que ali adentraram, percorrendo pelo negrume e por corredores alagados, acabaram mortos. Os prisioneiros* da ilha narravam, inclusive, que o monstro de narinas fumegantes chegou a raptar a filha de um deles – ao avistá-la próxima à entrada da caverna. Mantendo-a em seus domínios por muito tempo. Alguns dizem que ela ficou confinada até a morte; outros afirmam que, ao se aproximarem do local, era possível ouvir o contínuo desespero da bela jovem. Eram fortes lamentações, seguidas de profundos suspiros – daí o nome da caverna. O que de fato pode-se ouvir até os dias de hoje são rugidos ensurdecedores que ecoam pelas rochas.
O tesouro segue oculto, punindo indivíduos cobiçosos com sua armadilha dracônica.
* Fernando de Noronha foi uma ilha-prisão por mais de 200 anos.
Caio Sales é ilustrador e escritor, autor da série O Imaginário do Mundo. Pós-Graduado em Marketing pela PUC-Campinas, também é criador do blog My Creature Now, sobre criaturas mitológicas e lendas urbanas. @caiosales_art | Acesse: www.mycreaturenow.com