Um caso que mobilizou a opinião pública na última semana foi o da menina capixaba de 10 anos, grávida, criada pela avó (o pai está preso e a mãe já faleceu), e autorizada legalmente a fazer um aborto, consequência de anos de violência sexual de um tio. Triste e revoltante.
Mas esse é, infelizmente, mais um caso. Segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, seis internações diárias são registradas no Brasil pelo mesmo motivo, conforme dados do SUS. São internações que ocorrem ou por aborto espontâneo ou de meninas encaminhas aos hospitais para realizar o procedimento legalmente. Esse número é outro, resultado das 4 meninas de até 13 anos, estupradas a cada hora no país, como aponta o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019.
Para deixar um pouco mais próximo da nossa realidade, em Bragança, nos últimos cinco anos, foram registrados 66 estupros de vulneráveis. O código penal determina como estupro de vulnerável as relações sexuais com menores de 14 anos, mesmo que este alegue consentimento. No caso de aborto, como amplamente divulgado nos últimos dias, no Brasil é permitido no caso de estupro, risco de vida da mãe e bebês anencefálicos (sem cérebro).
Os dados são assustadores, apenas em 2020, 642 internações para abortos legais ocorreram de meninas de 10 a 14 anos e de 2008 até agora foram 32 mil abortos em meninas dessa faixa etária. Quando se fala em violência sexual contra crianças, esses números são ainda piores: de 2011 a 2017 foram registrados 141.105 casos entre crianças e adolescentes, o que configura 76,5% de todos os casos registrados. Entre essas vítimas, 74,2% são meninas e 71,2% foram violentadas em suas casas.
Esses dados, infelizmente, só escancaram a problemática brasileira, que tem inúmeros motivos para estar nessa triste e caótica situação, mas não cabe aqui discorrer sobre o tema.
Enquanto a igreja católica emite uma nota para que a justiça se explique à sociedade brasileira, sobre o que chamou de crime hediondo – o aborto legal da criança -, houve grande mobilização popular a favor de se interromper uma gestação indesejada, cruel e arriscada. É triste ver que em pleno século 21, entidades que “defendem a vida” destilem suas opiniões prepotentes em nome da sociedade brasileira, como se todos concordassem com a linha de raciocínio deles. A sociedade brasileira, em 2020, deve ultrapassar a marca de 209 milhões de pessoas e destas, segundo dados divulgados em 2019 pelo Datafolha, 50% são declarados católicos, os demais estão divididos entre as diversas religiões e aos que não tem religião nenhuma, ou seja, mais de 100 milhões de pessoas não seguem a “razão” católica.
Se há alguma explicação a ser dada à sociedade brasileira, é como e porque essa menina foi exposta violentamente por um grupo fundamentalista de religiosos e políticos, e não porque um procedimento legal, de direito da criança, foi questionado por quem não tem absolutamente nada a ver com a decisão pessoal dela e da família.
E em meio a mais essa tragédia brasileira, como se já não bastasse o absurdo dessa situação, pessoas canalhas, expuseram, violentaram, agrediram, difamaram a menina, sua família e os profissionais que a ajudaram. Afrontaram em nome de seu Deus, de suas crenças, uma decisão unilateral que não diz respeito a mais ninguém. É contra o aborto, não o faça, não julgue a realidade de quem toma essa decisão, pois não sabemos nada sobre o que essa pessoa passou, ou o que a levou a essa atitude.
Foram anos de abusos, uma infância roubada, como tantas outras, e agora escancarada e julgada pelo falso moralismo de gente egoísta e que não tem a menor noção do impacto físico, psicológico e emocional causado à essa menina e a tantas outras vítimas anônimas.
Respeito parece ser uma palavra que parte das pessoas desconhece.