O rio São Francisco, popularmente chamado de “Velho Chico”, figura como um dos principais rios brasileiros, repassando por seis estados. Sua importância também ocorre devido ao fato de não desaparecer nos períodos de seca, suprindo muitas áreas que sofrem com ela. Um local tão significativo como este não poderia deixar de abrigar inúmeras lendas. Habitado por seres inimagináveis, suas águas são os domínios do Caboclo-d´Água, ou Negro-d´Água. Criatura meio humana e meio anfíbia, habituada a assustar ou barganhar com os pescadores locais.
Apontada nos estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco, Sergipe, e Minas Gerais, a criatura é tão famosa na região do rio São Francisco que, em 2003 ganhou um monumento de 12 metros em sua homenagem. Produzida pelo escultor Ledo Ivo Gomes de Oliveira, a estátua fica estabelecida no leito das águas do Velho Chico que banham a cidade de Juazeiro, na Bahia. A cultura indígena, a cultura negra, e a cultura europeia, agem de forma equilibrada sobre o mito. O Caboclo-d´Água também recebe acréscimos das populações ribeirinhas, que temem encontrá-lo na calada da noite caminhando pelas pedras ou emergindo do rio.
Nem as piranhas, os jacarés ou as sucuris aterrorizam tanto os pescadores do rio São Francisco quanto o Caboclo-d´Água. Narrado como uma criatura musculosa, sua pele cor de cobre é rugosa e brilhante. De orelhas pontiagudas, o monstro possui uma cabeça arredondada, com uma grande barbatana – também chamada de crista – que percorre o centro dela e de todo o seu dorso. Detém membranas natatórias entre os dedos das mãos e dos pés, atributos que concedem ao Caboclo-d´Água um aspecto bizarro e anfíbio. Não há um consenso sobre sua estatura; é baixo ou imenso. Outras experiências diretas com a criatura lhe entregam relatos distintos e regionais, onde aparece com a pele negra ou coberto de pelos.
Imune a tiros de bala e com uma velocidade incrível, a criatura irá assombrar os pescadores e barranqueiros que antipatizar. Como um guardião das águas do rio São Francisco, vira seus barcos e canoas, criando grandes ondas, e espantando os peixes. Ele também corta o anzol e as redes com suas garras poderosas e presas de estalactites. Alguns casos são ainda mais fatais, podendo levar sua vítima à morte por afogamento, arrebatando-a para o fundo do rio. Contudo, sua habilidade de controlar os peixes e as águas pode torná-lo um grande aliado dos pescadores. Ele colabora com a pesca daqueles que lhe pagam um tributo: parte do que foi pescado deve ser entregue ao monstro. Como uma convergência dos mitos do Curupira e da Caipora – ou do Caipora –, os canoeiros também oferecem cachaça e fumo ao Caboclo-d´Água para agradá-lo.
Tradicionalmente, aqueles que fazem pavorosas travessias noturnas pelo rio, fincam uma faca no fundo da canoa para afugentar a criatura; acreditam que as lâminas de aço tem o poder de repelir forças más. Outra crença bastante aplicada é o uso de carrancas nas embarcações, agindo como um amuleto místico contra os maus espíritos (neste caso, contra o Caboclo-d´Água) – as carrancas são esculturas de madeira feitas artesanalmente, com o formato de uma cabeça humana, animal, ou antropomórfica, providas de uma fisionomia assombrosa. A mística em torno do ser folclórico é tão grande, que desperta até mesmo curiosidade sobre sua morada. Dizem que a criatura habita grutas submersas repletas de ouro. Em seus delírios, alguns tentam adentrar o covil do monstro, buscando o afamado tesouro. Estes, pagam o preço da ganância – não são dignos da confiança do Caboclo-d´Água. Tornam-se mais um enfeite de ossos pela caverna do enfezado protetor das águas do rio São Francisco.