Muitos protestos marcaram o início das obras de recomposição da barragem do Lago do Orfeu na quarta-feira (11), zona sul da cidade. A nobre área abriga um dos parques ecológicos mais belos da cidade, que com sua fauna e flora diferenciados atraem turistas e até novos moradores vindos dos mais longínquos cantos do Estado. Porém, tudo isso está ameaçado por conta da fragilidade em que se encontra a barragem do lago, que atualmente comporta 130 milhões de litros de água. A Gazeta Bragantina acompanhou os protestos e na tarde de sexta-feira (13), um dia depois de o Executivo se reunir com os moradores, foi até o Palácio Santo Agostinho, sede da Prefeitura Municipal, entrevistar o secretário de Obras, André Monteiro, para saber sobre o cerne do problema.
Em conversa franca de quase uma hora, o secretário explicou à GB os problemas e listou as soluções, dentre elas a que será adotada pela municipalidade, e também a pretendida pelos moradores, que é a mais cara e, com o estado atual da barragem, a mais perigosa. Monteiro disse que assumiu compromisso com os moradores de que “Só vão ser retiradas as árvores estritamente necessárias. Está previsto no projeto 52 árvores, se der para fazer com cinco, vou tirar cinco, se for 20, vou tirar 20 e se forem 100, vou tirar 100, porque o risco de rompimento vai levar muito mais do que 48 árvores, fora os animais. É uma devastação” explicou o secretário e diz que quem sofre é quem mora no entorno do rio.
Disse ainda acreditar que as dúvidas a respeito da execução da obra e intervenções no local foram sanadas. Além das árvores, os moradores tinham a preocupação com os animais que vivem no local, porém o secretário explicou que com a movimentação de máquinas os animais se retiram para as áreas verdes no entorno.
Realidade – O secretário explicou que realmente as pessoas não tem noção de tudo que está envolvido ali e o que é veiculado nas redes sociais chega até elas de forma distorcida da realidade. ‘Tem pessoas ali do entorno que dizem, ‘-nossa, mas vocês vão acabar com o lago, o lago vai deixar de existir, vocês vão cortar toda a vegetação’ e na verdade é que nós temos um problema estrutural na barragem, que foi detectado em 2019 e se não for feito nada, sim, o Lago vai deixar de existir, vão sofrer 200, 300 árvores” explicou Monteiro sobre um possível rompimento da barragem em que a força da água devastaria tudo o que tem pelo caminho, como as árvores, além de colocar em risco uma escola e casas na avenida Oswaldo Assis Gonçalves, que tem pouca altura em relação ao rio. “A gente tem possibilidade de danos materiais e até risco muito grande à vida das pessoas no caso do rompimento da barragem.” alertou.
Outro ponto que era temido pelos moradores seria a construção de uma rua ligando a Alameda Iugoslávia à Avenida Ilhas Britânicas, obra que foi aventada para desafogar o trânsito, porém rechaçada logo em seguida por conta da comoção e impacto ambiental.
A barragem será construída pela empresa Rual e tem valor de R$ 3.574.707,74, porém nesse valor também está a construção do piscinão na Avenida Alberto Diniz.
Meio Ambiente – Questionada, a secretária de Meio Ambiente, Nádia Zacharczuk, explicou que “de acordo com a área de intervenção do projeto foram cadastradas 52 árvores sendo 16 de espécies nativas e 36 de espécies exóticas, porém a necessidade será confirmada após a realização da locação da obra. Salienta-se que o objetivo é cortar a menor quantidade de árvores possível”. Ela disse ainda haverá a compensação na mesma bacia hidrográfica, que é a do Ribeirão Lavapés.
Segundo a secretária, para compensar as supressões e intervenções realizadas serão plantadas 2.123 árvores. Sobre a fauna, alegou que está estudando a possiblidade e que se for necessário o município irá contratar uma empresa para a retirada dos animais. Sobre os peixes, disse que os animais serão avaliados e remanejados para outros lagos do município.
Como começou – Em busca de sanar os problemas de enchentes na cidade, a Administração Municipal procurou soluções pontuais para os principais pontos de alagamento. Desde 2017, quando a Administração tomou isso como prioridade, foram levantados os principais pontos onde se tem enchente, como a rua Luigi Picarelli, no Jardim Santa Helena, na Vila Malva, Jardim Califórnia, Popó, Avenida José Gomes da Rocha Leal, Rua Euzébio Savaio, cada um com suas características e motivos diferentes, mas todos com uma coisa em comum: toda vez que chovia esses locais alagavam. Para cada um deles foi desenvolvida uma solução local, ao invés de se fazer um projeto grande e caro para se resolver todos os pontos de enchente de uma vez.
Dentro os pontos, foi detectada a necessidade de se fazer um piscinão na região do Jardim Europa, por conta dos alagamentos que atingiram a região, uma delas que deixou o campo do Ferroviários embaixo d’água e teve pontos de alagamento na Rua Oswaldo Assis Gonçalves. Dos problemas detectados estava a obstrução da tubulação que passa por debaixo da Avenida dos Imigrantes e desemboca na praça da Poesia. Como solução foi feita a desobstrução da tubulação e como medida preventiva, a administração pensou em fazer uma pequena adaptação na barragem do Lago do Orfeu, para que ele absorvesse mais 15 milhões de litros segurando esse grande volume de água.
O Problema – Com a ideia de que a adaptação ajudaria no combate às enchentes, foi a hora de a Administração ir ao lago fazer os levantamentos necessários, para que o projeto fosse para o papel, para depois ser licitado, se fosse o caso, e executado.
Logo na primeira visita a equipe da secretaria de Obras se deparou com um grande problema: o comprometimento da barragem. Para confirmar as suspeitas, a empresa CONSENGE, contratada à época para fazer projetos de drenagem e acompanhamento ambiental, fez a vistoria e detectou a importância de se contratar especialistas em barragens para analisar a situação. “Foram contratados dois professores mestres em geologia, que são especialistas na segurança de barragens. Eles fizeram a vistoria, pediram sondagens (do solo) para verificar o corpo da barragem e eles fizeram um laudo pra gente dizendo que a barragem tem instabilidade e não é segura” explicou André Monteiro. Segundo apurado, o laudo apontava problemas sérios e que explicariam o porquê da instabilidade como por exemplo o uso de materiais inadequados. “Ela não foi feita com material adequado, o material do corpo da barragem tem que ser adequado e tem que ser impermeável, não houve a compactação do solo ideal, não tem fundação, ou seja, eles jogaram terra em cima do terreno natural e fizeram a barragem, isso há 50/60 anos” disse o secretário.
Essa falta de compactação cria as chamadas linhas d’águas, ou seja, a terra tem a absorção natural da água e isso forma uma pequena linha úmida e se essa linha atinge o outro lado da barragem de terra, ela vai carreando pequenos grãos de terra, criando um caminho por dentro da barragem. Esse caminho vai aumentando cada vez mais e fragilizando o corpo da barragem. Esse foi um dos problemas detectados durante as vistorias no Lago do Orfeu. Atualmente a barragem é composta pelo topo da barragem, vertedouro e uma escada hidráulica que deságua no rio. O que estava acontecendo é que a água ao invés de sair pelo vertedouro estava saindo direto pela escada hidráulica, por uma linha d’água que se desenvolveu ao longo dos anos. Tanto que em dias quentes o vertedouro ficava seco. Essa linha d’água comprometeu não apenas a segurança da barragem, mas de toda a passarela que tinha no local, uma vez que parte dela já estava “suspensa” sem-terra por baixo e um desabamento era questão de tempo, como o estouro da barragem. “A gente sabia que a calçada tinha trinca, que a mureta tinha problemas, mas a hora que olhamos a parte trincada, notamos que faltava um pedaço da barragem e a passarela estava no ar. Olhamos para o outro lado, não tinha mais margem e a terra estava toda dentro do lago” disse Monteiro.
As opções – Primeiramente, para se resolver o problema, era necessário esvaziar o lago, para diminuir a pressão sobre a barragem e minimizar as chances de ela estourar. Em uma primeira opção, foi feito um processo com canos de PVC que funcionavam como um sifão. Mesmo com a ampla divulgação de o motivo de ter que se esvaziar o lago, esse sistema era desligado diariamente por pessoas que frequentavam o local. Como o processo estava cada vez mais vagaroso por conta do desligamento do sistema, a prefeitura colocou um cano de aço de 12 polegadas que atravessava a barragem. Para se ter noção da fragilidade da barragem, esse cano foi colocado com uma retroescavadeira, que encostou a pá e apenas o empurrou para o outro lado, sem nenhuma dificuldade.
Feito isso, realizou-se o estudo de que poderia ser feito na barragem e surgiram 3 opções. A primeira, era a estaca secante, um conjunto de estacas que se interseccionam e formam uma parede de concreto vertical, contendo a água. Essa seria a opção indicada e preferida dos moradores que fizeram o manifesto no local, mas é uma das mais caras e perigosas pela instabilidade que a barragem se encontra. As estacas são feitas por um sistema chamado hélice contínua, que consiste em uma broca grande que entra protegida por um tubo e que assim que o buraco e feito, o concreto é jogado diretamente e toda a água e terra é jogado para fora. Porém, esse trabalho é feito por um caminhão que precisa de espaço, além de pesar de 15 a 20 toneladas, peso que, pela fragilidade e má compactação da barragem, faria o solo ruir. “Numa barragem instável, que tem seus dois metros de largura, o caminhão não entra. Essa estaca, por mais que não esteja batendo e sim apenas furando, vai causar mais instabilidade” explicou André Monteiro.
Um laudo apresentado diz que a opção é mais barata, o lago não precisa ser esvaziado, as árvores podem ser mantidas e que deve ser feito a recomposição vegetal com grampeamento. Porém, o secretário André Monteiro, esclareceu e disse que esses itens não condizem com que realmente teria que ser feito nessa opção. Segundo ele, a estimativa de custo médio, apenas das estacas com concreto e ferragem, é de R$ 3 milhões, além do que seria gasto com o alargamento da margem, necessário para que o maquinário tivesse espaço e segurança para operar e o enrocamento da margem, que consiste na a regularização das margens e colocação manual de pedras, uma espécie de mosaico, bem encaixado para proteger a margem. Tanto para o alargamento, quanto para a recomposição vegetal, seria necessário o corte de árvores, uma vez que é proibido pelo manual de segurança em barragens de terra da Agência Nacional de Águas – ANA, o plantio de árvores em corpo de barragens, uma vez que a raiz, pode ser criar caminhões d’água. Por fim, o lago teria que ser esvaziado para ser feito o enrocamento que o projeto pede.
A segunda opção era “arrancar a barragem e fazer outra”, que seria a solução mais agressiva e que se não tivesse a quantidade de árvores que tem no local, seria a mais correta. E por fim, a terceira opção, um misto das duas primeiras. Do lado de dentro é feito o enrocamento e do lado de fora se faz um denteamento para estabilizar e a colocação de um dreno para parar a água que atravessa a barragem. Será feito ainda um vertedouro de fundo, conhecido por monge, que consiste em um túnel por baixo da barragem, uma chaminé na parte de dentro do lago que vai até a superfície e fica cerca de meio metro do espelho d’água e no fundo terá uma passagem chamada vazão de seca, que, teoricamente, recolhe a água que entra no lago e a joga no curso natural do rio. Essa vazão de seca é regulada conforme a necessidade e controla o nível do espelho d’água, podendo deixar o lago mais cheio ou vazio, dependendo das previsões de chuva. Vão ser feitas ainda uma nova passarela e uma outra, metálica, para manutenções no monge.